por Rita Patarata
Nos últimos anos, temos assistido a uma transformação silenciosa, mas profunda, no mundo do Branding, mais propriamente no que diz respeito a rebrandings. A procura por simplicidade e funcionalidade, aparentemente inofensiva, tem progressivamente despojado muitas marcas das suas histórias, da sua alma e, acima de tudo, da conexão emocional que construíram com os seus públicos ao longo de décadas. Chamo a este fenómeno: a desromantização das marcas.
Jaguar: Modernidade ou Desconexão?
Um dos casos mais recentes e controversos é o rebranding da Jaguar. A marca britânica, outrora sinónimo de luxo clássico, trocou o seu icónico logotipo tridimensional por uma abordagem minimalista, plana e monocromática. Uma decisão que, segundo a empresa, reflete a transição para o mercado de veículos elétricos e uma nova era de modernidade e arrojo. Contudo, será esta modernidade sinónimo de evolução ou apenas uma desconexão com a sua própria essência? Muitos fãs da marca apontam que o novo design e a nova campanha sacrificaram a mística da Jaguar, por uma aparência genérica e fria, que poderia pertencer a qualquer fabricante de tecnologia.
É preciso reconhecer que, ao optar por um design que se distancia completamente da tradição visual da Jaguar, a marca permaneceu fiel à sua assinatura ‘Copy Nothing’. De facto, cumpriram-na à letra, criando algo que rompe com qualquer referência ao passado — mas a questão que fica é: será que esse rompimento era necessário ou desejado? Convém relembrar que mais importante do que a polémica em torno deste assunto, é compreender qual a opinião do público-alvo. É ele que vai decidir se este rebranding está certo ou errado.
O Caso Burberry
A Jaguar não está sozinha nesta tendência. Em 2018, a Burberry deu um salto semelhante sob a direção criativa de Riccardo Tisci. O designer Peter Saville redesenhou a marca abandonando o seu logotipo serifado e tradicional por uma tipografia sans-serif mais limpa e moderna. Em 2023, sob a direção de Daniel Lee, a marca fez um “regresso às origens”, revertendo parte das mudanças. Com todas estas transfigurações, os resultados da marca estão em declínio. O CEO da Burberry chegou a atribuir este fracasso a uma “execução inconsistente da marca” e à tentativa de “afastar-se demasiado do seu núcleo”, algo que reforça o argumento de que um redesign que não se alinha com o público-alvo pode ter consequências negativas para a marca.
A mudança gerou reações mistas. Por um lado, a modernização atraiu um público mais jovem e cosmopolita; por outro, alienou os clientes que viam na Burberry um símbolo de herança e tradição britânica.
Este fenómeno levanta uma questão essencial: até que ponto o minimalismo, hoje quase obrigatório para a adaptabilidade digital, está a desumanizar as marcas? Até que ponto o esforço hercúleo para tornar as marcas ‘woke’ ou controversas, entrando em debates e tendências, se alinha com os seus valores ou públicos? A necessidade de participar em tudo parece forçada, e gera resultados que chocam mais do que cativam. Forçar relevância não é estratégia; é desespero.
Não se trata de desvalorizar ou ignorar a estética de um redesign – pelo contrário, todas as identidades mencionadas são visualmente agradáveis, bem construídas e funcionais. No caso da Jaguar, conforme mencionado pelo CMO da marca, o rebranding foi pensado ao longo de três anos e está alinhado com um reposicionamento que visa transformar a marca por completo. No entanto, o ponto crucial aqui é o alinhamento com o posicionamento original da marca e a preservação da sua história e valores. Se o rebranding se desvia tanto do seu legado, a dúvida que surge é se, na prática, não seria mais simples criar uma nova marca do que tentar reimaginar algo tão profundamente enraizado na identidade da Jaguar.
Na Miligram, acreditamos que o branding deve ser mais do que o foco em tendências. Precisa de refletir o núcleo da marca: alma, vontade e equilíbrio. Claro que modernizar-se é essencial — ninguém quer ficar preso ao passado —, mas essa evolução deve respeitar as raízes e o legado. O design não é apenas sobre estética: é sobre função e significado.
Enquanto consumidores e criativos, cabe-nos questionar e desafiar estas decisões. A modernidade não precisa de ser sinónimo de monotonia, e inovação não deve significar a perda de identidade.
Marcas sem história, sem raízes e sem autenticidade não são mais do que um negócio como outro qualquer. Desromantizar a marca é, muitas vezes, perder o seu lado humano – e, sem isso, como podemos esperar que as marcas cativem verdadeiramente os consumidores? Apenas o tempo revelará o impacto que estas mudanças terão.